O Guri que eu não fui...

Na noite mais escura
Que o inverno já passou
Fechei meus olhos à procura
Da lembrança que ficou

Dos olhos de um pequeno
Que nunca pode brincar
De um guri já feito homem
Sem direito de sonhar

Da voz presa na garganta
Pranto querendo rolar
É sentença, não pergunta:
- Muito grande pra chorar...

Eu não guardo uma saudade
Da infância que não tive
O guri que eu não fui
No meu filho hoje vive...

Não são róseos, nem de amor
Versos que de mim eu faço
São rubros qual sangue e dor
Meio curvos por cansaço.

E assim minha vida passa
Muitas noites vou cismando
O que p’ra uns nasce de graça
Para outros, só plantando...

A um Gaucho Guitarrero

O campo de ontem parece voltar
Na voz de guri que faz recordar
Tantas partes de um passado
Que renasce num cantar...

O matear do dia inteiro
É quase tudo que quis
O coração prisioneiro
Num certo Porto feliz...

E cantas versos por prece
Num hino pelo teu chão
Tua tristeza adormece
No colo de um violão

Espírito de campeiro
Numa guitarra povoeira
Traz o Rio Grande inteiro
Solado à tua maneira

Nenhum dinheiro é paga
Pra o que fizer por amor
Quanto mais custosa pena
Mais o prêmio tem valor

Não há tragédia em perder
Se for tempo de espera
É preciso longo inverno
Pra cevar a primavera

Divide bem os tesouros
Da tua alma inquieta
Vale mais do que ouro
Ou que letras de poeta

Afina as cordas do destino
Por onde andares, parceiro,
Seja qual for o caminho,
Irmão gaucho e guitarrero!



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A um amigo querido, de grande coração e talento gigante... El Gaucho Guitarrero... gracias por todo!

Razões de simplicidade

Pura estampa, mais sentido

É beleza sem vaidade

Que eu quero ter comigo


Coração vibra, não bate

Guiado a mãos de ternura

Tocado de arco saudade

Sonha, ri e te procura


Nas sombras, guardada

Trazes a alma escondida

Velada por quatro cordas

Que choram quando feridas...


Se os olhos vêem nada

E a boca já não canta

A paixão vem musicada

Num carinho que encanta...


Num hino de nostalgia

Reencontro meu destino

És a vida em melodia,

Meu feitiço, violino!



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...melodias são sinais, apelos da alma... encontro do divino e do humano...se a alma quisesse desprender-se... e o fizesse numa cor...quem sabe seria verde mate, azul céu riograndense...se fosse bicho... potro sem dono, pássaro sem limites... fosse melodia... ah, almas sensíveis desprendem-se em melodias... e algumas são tão mais belas... almas que fogem por entre as cordas de um violino...





Ter amor e não chorar
Não é verso, é ilusão!
É como sorrir ao cantar
As penas do coração...

Versejar tristezas, verdade
É coisa que não me canso
É atravessar um rio a nado
Na procura de um remanso...









É mais triste o anoitecer nesse rancho
Quando soluça a dor de um final
O frio faz-me encolher-me no poncho
Aguardando que se cumpra o ritual...
A luz do lampião mais me assombra
E mais me assusta que alumia
Faz até o galo campeiro
Anunciar antecipado o dia...
Por fim me despeço do parceiro
Que tanto bem e amor me trazia
Enquanto segue a peonada a cavalo
Pressinto...a carreta não vai vazia...
Enquanto o vento geme nas estradas
Vai comigo, mais meu amado que parte
Um cortejo de almas penadas
Que revivem outra vez a má sorte
Suas próprias dores, lembranças e vidas
De heróis condecorados com a medalha da morte..


Numa rua quieta da cidade
O piazito boleava um laço
Num alarido de felicidade
Lançava armadas ao espaço

Chamava o cusco imaginação
Atiçando o bicho contra a boiada
Ora zangado invocava um peão
"Cuida, cuida, se perde a estrada!"

Nesta cena de puxar lembranças
Esqueci da vida admirando
A inocência daquela criança
Pela cidade o campo recriando...

Pensei triste no guri Rio Grande
no que será o futuro desta gente
se lhes tosam toda a liberdade
Só de brinquedo se fazem ginetes.

De sonhos de sonos antigos
Vivem os guris dos dias de hoje
As lidas urbanas só trazem perigo
A poesia do campo se perde longe...

Bois de osso ficaram pra história
Hoje somente jogos digitais
Mas estão vivos na memória
De quem, criança, foi feliz demais!

Amor de Sonho



Quero ter apenas um pedaço
Desse teu riso que faz sonhar
Na tua vida não tenho espaço
Amargo mate vem me consolar...

Eu te procuro sempre e tanto
Fundo de campo, beira do Irapuá
Se não encontro, então garanto
Tu és passado que não voltará...

As lembranças tem todo encanto
Que esse querer vem desde piá
Marca profunda que nem o pranto
Que corre manso apagará..

Quando te perdi, amor de sonho
Perdi as rédeas da felicidade
Hoje apenas meu olhar tristonho
Chora meus versos tintos de saudade...


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Fosse infinito este outubro cinza, macio, molhado de vinho tinto!
Pra de novo afogar nos teus beijos as saudades urgentes que sinto!
...na madrugada que não clareou
espelho cinza, feito lago sombrio
fugi do mundo triste que restou
numa ânsia de corrente de rio...

o tempo gasto não foi em vão
tantas horas que passei na estrada
foram pra resgatar o meu coração
que estava perdido nesta Encruzilhada...

De quanto vale a IDENTIDADE


Aprendi, desde piá
Sozinho, de olhar a lida
Vendo meu pai trabalhar
Trançando tentos pra ganhar a vida

Cada peça trabalhada
Tem um pedaço da alma
Do guasqueiro que entende
Perfeito é filho da calma

Quanto valem essas tranças?
Arte guasca feita tesouro
Pra mim são porta-lembranças
Duradouras feito couro.

Entre os valores que guardo
Respeito o que veio primeiro
E só é do meu agrado
O que chamo de verdadeiro.

Hoje assovio a mesma canção
Do jeito que o velho fazia
Mudando os tentos de mão
Com o capricho que ele tinha

Que o tempo não transforme
Meus conceitos de verdade
Não plastifiquem a arte
Não é produto, é identidade.

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Ao amigo Alexandre Rosa, com respeito e admiração.

Pilchas de Dentro


Perguntou-me um guri
Se me considero campeiro
que sequer uso bombachas
Na lida de guitarreiro

Se o campo que canto existe
Se é mais imaginação
Se guitarrear foi destino
Ou se tenho vocação

Não me julgues, não me conheces
E a pretexto de tradição
De que é que tu te vestes?
Pilchas tenho no coração!

Não foi em livros que aprendi
Nem de vitrine é minha estampa
Gaúcho é mais que nascer aqui
É alma pilchada, amor na garganta.

Canto que é vida em legenda
Imita passado sem pretender ser igual
Essência que talvez não compreendas
Que nunca foi matéria de manual

Respeito ao sul não tem receita,
É liberdade de movimentos
São pilchas de dentro que não se inventa
Gaúcho não tem regras, tem sentimentos.


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Dedicado ao amigo que valorizo muito, pessoa do maior fundamento, querido Jader Leal.



Já é tão tarde...Por que estou acordada?
Se nada importante está acontecendo,
E se estou assim, tão cansada?
Ah, os porquês desta minha vida...
As mil perguntas que não tem resposta
Os tantos becos que não tem saída...
Tantas caixas de sonhos guardadas
Tantas por encher ainda...
E versos, rimas e palavras desperdiçadas
Risos que começam de um pranto que finda
E lágrimas que molham o som do meu riso...
Já é tão tarde...Por que estou acordada?
Se o mundo não precisa de mim
Se o mundo não quer nem saber
Dos meus becos, meus porquês de estar assim...
Se o mundo não quer saber nada
Se estou dormindo, acordada, enfim...
Do que mesmo estou cansada?
Da mesmice de anos, meses e dias inteiros?
Não consigo dormir, e ninguém sabe
Que meus olhos estão abertos no escuro
Invento histórias e conto cordeiros...
Retorno o filme da minha vida
E vejo na névoa uns pontos claros
Será a morte? Não, ainda não é
Já é tarde demais para lembrar que não tenho fé
Se não é a morte...então vou dormir...
Me entrego como um gato no colo do dono

Descanso da vida é a morte, como do dia é o sono...
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MOTIVOS DE MATE
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Ergui bem alto meus olhos pra o céu
Senti bem longe os sonhos de retorno
Lavando a erva a versos no papel
Coração avesso que perdeu o entono.
.
Sei que destôo das cenas urbanas
Não me perdôo pelo que me fiz
Restando agora a um campeiro só as penas
Lembranças vagas de quem já foi feliz.
.
Com as janelas de casa cerradas
Me entrego a um mate que me faz sonhar
Se ainda mateio pelas madrugadas
É por anseios de me reencontrar...
.
Se ainda sorvo esse meu mate santo
É porque ele acalma a dor sentida
Mate é alma que inspira o meu canto
Amargo verde que me adoça a vida.
.
Quisera eu nunca ter partido
Pra casa grande aqui na cidade
Sem identidade, sem nenhum sentido
Raiz sem terra, seca por saudade...


No escuro,no sono, no sonho
São olhos, são lábios sedentos
E toques, desejo tamanho
Que não importam sentimentos
Primitivos, arcaicos, antigos demais
Tão velhos rituais, tão perfeitos
Ondas gigantes, ventos furiosos
Se erguem e sopram na mesma cadência
Provocam, instigam, se descobrem curiosos
Instintos apenas, sem ter consciência
Se encontram, ao tato se queimam
Em cinzas o mundo se desfaz
E ardem florestas, céus e terra se terminam
E ressurgem, recomeçam na busca de mais
Até que por fim se entregam
E caem nos braços de Morfeu e da paz
Se acalmam os ventos e ondas do mar
Aos raios do sol só vão descansar
Até que no escuro, no sono, no sonho
Mais uma vez irão se amar.

Pecado!

Pecado, saudade querida
É desperdiçar um querer
Saber que a luta é perdida
E ainda lutar por perder...

Pecado é esse meu amor
Deitado na beira da estrada
Contando estrelas de dor
Com muito tempo e mais nada...

Pecado é todo esse desejo
De ter o que não é pra mim
Lembranças de um certo beijo
Errado destino, tristeza no fim...

REPONTANDO SAUDADES




Camilla Zago


A voz campeira que ecoa sonora

Em bom espanhol, num timbre tristonho

Transforma minutos em tempo de horas

Lua, lagoa, num cenário de sonho.


Num galpão de festa, coração já cansado

Repassa momentos que não soube esquecer

Se só se magoa lembrando o passado

Decide: é momento de voltar a viver...


Me abrigo no poncho de um olhar moreno

Que me trouxe carinhos, sossego e verdades

Secando minhas lágrimas como o sol ao sereno

Vivo nele pra sempre...repontando saudades


Todas as paisagens se confundem, refletidas

Nos olhos de noite que o destino marcou

Pra ser o porto de esperanças perdidas

De um amor tão antigo que só o tempo lembrou.


Só o eco se ouve de velho sentimento distante

Quando acaso e destino em canções de festival

Tocam o coração em acordes de amor em reponte

Fazendo letra perfeita pra melodia sem igual.
***




Que essa garoa fina que cai devagar


Apague as pegadas do nosso passado


Que juntos o sol possa nos encontrar


Para qualquer cinza ser iluminado...




O inverno que chega de mansinho


Só fará com que fiquemos perto


Não há limites quando há carinho


Estar contigo, meu desejo certo...




Como queria meus olhos nos teus refletidos


Noite dessas que o céu em águas se desfaz


Parasse o tempo em temporal de sentidos


Nos mesmos braços que trarão minha paz...




Clarões espiam, são olhos da tempestade


Queria que ela não pudesse me ver assim


Sinto-me só em companhia desta saudade


Desta vontade egoísta de te ter só pra mim...




Todas as forças que a natureza faz uso


Fascinam-me nesta longa madrugada insone


É à chuva que confesso que tudo que preciso


É de ti, do som da tua voz chamando meu nome...









Em meio às sombras, despertei
Sufocada, em desespero, sem ar!
Por instinto a janela descerrei
O vento frio me fez respirar ...
Descansei meus olhos na beleza da lua
Que afagou meus cabelos e sorriu
Repetiu-me uma poesia tua
E atrás de uma nuvem dormiu.


Fiquei só, no frio e no escuro
Até que compreendi o que não entendia
Aquele poema...é meu futuro
Despertou-me enquanto eu dormia
É a fórmula mágica que procuro...
Que eu já tinha e não sabia
Já não estou só, no frio e no escuro
Estou com a tua lembrança por companhia
Com um terno amor para me aquecer
E com a luz de meu próprio sorriso
Porque sou tudo que queria ser
O vento fechou de novo a janela
E ao som do teu riso me fez adormecer.